quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ele Deixou a Carpintaria.

A IMENSA PORTA RANGEU à medida que era aberta. Com apenas alguns passos, ele cruzou a oficina vazia e abriu as venezianas de madeira para que um raio de sol penetrasse na escuridão, pintando um quadrado de luz do dia no chão empoeirado.

Deu uma olhada na carpintaria. Permaneceu por um instante no refúgio daquela pequena sala que abrigara tantas lembranças agradáveis. Pegou o martelo. Passou os dedos pela lâmina afiada da serra. Bateu na madeira já bastante desgastada do cavalete. Viera para dizer adeus.

Chegara o momento de partir. Ouvira alguma coisa que o fez saber que aquela era a hora. Assim, veio sentir pela última vez o cheiro de serragem e madeira.

A vida era calma ali. A vida era tão... segura.

Passara incontáveis horas de alegria ali. Naquele chão empoeirado ele brincou e engatinhou enquanto seu pai trabalhava. Foi ali que José o ensinou a segurar um martelo. Foi naquela bancada que ele construiu sua primeira cadeira.

Imagino o que ele pensou ao dar a última olhada na sala. Talvez tenha parado por um instante na bancada, olhando para a pequena sombra projetada pelo cinzel e os cavacos de madeira. Talvez tenha prestado atenção nas vozes do passado que enchiam o ar.

Fico pensando se ele hesitou. Se seu coração estava partido. Se segurou algum prego nas mãos, antevendo a dor que sentiria...

A partida deve ter sido difícil. Afinal de contas, a vida de carpinteiro não era ruim. Não era ruim mesmo. Os negócios iam bem. O futuro era brilhante, e o trabalho era agradável.

Fico pensando se ele quis ficar. "Poderia fazer um bom trabalho aqui em Nazaré. Estabelecer-me nesta cidade. Ter uma família. Ser um líder da comunidade."

Penso assim porque sei que ele já havia lido o último capítulo. Ele sabia que os pés que se afastariam da sombra segura da carpintaria não descansariam até que fossem perfurados e pregados numa cruz romana.

Sabe, ele não precisava partir. Ele tinha escolha. Poderia ter permanecido. Poderia ter ficado de boca fechada. Poderia ter ignorado o chamado ou no mínimo deixado para depois. E, se tivesse optado por ficar, quem saberia? Quem o culparia?

Mas o coração não o deixaria fazer isso. Se houve alguma hesitação da parte de sua humanidade, ela foi vencida pela compaixão da sua divindade. Sua divindade ouviu as vozes. Sua divindade ouviu o clamor desesperado do pobre, as acusações amargas do abandonado, o desespero da incerteza daqueles que tentam salvar a si mesmos.

E sua divindade viu os rostos. Alguns franzidos. Alguns chorosos. Alguns ocultos por trás de véus. Alguns obscurecidos pelo medo. Alguns sinceros em sua busca. Alguns pasmos diante do tédio. Do rosto de Adão à face da criança que nasceu em algum lugar do mundo enquanto você lia estas palavras, ele viu a todos.

E você pode estar certo de uma coisa. Dentre as vozes que ecoaram naquela carpintaria em Nazaré, estava a sua voz. Suas orações silenciosas, feitas num travesseiro manchado de lágrimas, foram ouvidas antes mesmo de serem feitas. Sua dúvidas mais profundas sobre morte e eternidade...

Ele partiu por sua causa.

Deus veio a nós.

Max Lucado